Em um momento de escuta, ancestralidade e compromisso com o futuro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sediou, nesta quinta-feira (22), o painel Preservação da Cultura Brasileira a partir da Perspectiva Étnico-Racial. A atividade integrou a Semana da Justiça pela Diversidade Cultural – iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) em celebração ao Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento.
A mesa foi composta pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, pelo presidente do STJ, ministro Herman Benjamin, pela escritora e ativista indígena, Márcia Kambeba, e pelo advogado indígena e defensor de direitos humanos, Ivo Makuxi. O encontro teve como foco central a valorização da diversidade étnico-racial e da cultura como base para uma sociedade mais democrática, inclusiva e com justiça social.
Durante sua fala, Margareth Menezes foi enfática ao destacar que a cultura não pode ser reduzida a mero ornamento ou ocupar um papel secundário nas políticas públicas.
“A cultura é ferramenta de enfrentamento de desigualdades e discriminações. A cultura é produtora de riquezas, geradora de emprego e renda, e promotora de desenvolvimento econômico e ideais democráticos”, afirmou.
A ministra denunciou as desigualdades históricas que marcam o Brasil e ressaltou a urgência de enfrentar esses desafios por meio de políticas públicas efetivas.
“Se quisermos falar de respeito à cultura, de respeito à diversidade étnico-racial e à produção cultural dessa diversidade, precisamos ter coragem de contemplar esses gargalos que impossibilitam o povo brasileiro de acessar coisas comuns, riquezas maravilhosas que existem no nosso país”, disse.
Ela defendeu que ações pautadas pela justiça social e pela equidade têm poder transformador. “Ações guiadas por justiça social e econômica são capazes de realizar uma mudança de paradigma imensa e realizar transformações importantes na condição de vida do povo brasileiro, enriquecendo ainda mais toda a cadeia social em escala nunca antes vista”, enfatizou.
Justiça para todos os povos
O ministro Herman Benjamin, presidente do STJ, trouxe para o centro do debate a necessidade de pluralidade no próprio sistema de justiça.
“Falamos tanto em diversidade cultural, mas é importante reconhecer que, no campo da justiça, essa é uma pauta ainda pouco explorada, e muito menos concretizada”, afirmou.
Ele apontou a ausência de ministros e ministras indígenas como um reflexo da exclusão estrutural ainda existente. “Não somos, não queremos ser e nem podemos ser uma instituição da elite brasileira, mesmo que fosse uma elite ‘iluminada’. Porque sentir, nesse contexto, depende de viver e de ser. E a vivência de cada povo, de cada cultura, precisa estar presente e representada aqui”, declarou.
A escritora indígena Márcia Kambeba, do povo Omágua/Kambeba, emocionou o público ao compartilhar sua trajetória e sua produção intelectual voltada ao fortalecimento das línguas ancestrais. “Não busco apenas títulos. É porque precisamos interligar mundos”, explicou.
Ela destacou que a presença dos povos originários nos espaços acadêmicos, culturais e políticos é uma forma de resistência e reconexão com a terra e os saberes.
“Nós somos a natureza. E, assim como uma conexão de internet pode ser cortada, nossa ligação com a terra também pode ser rompida. Reconectar é vital. E é isso que fazemos todos os dias ao bater os pés no chão, ao balançar o maracá, ao cantar nossas canções”, declarou.
O advogado indígena Ivo Makuxi, que já atuou no STF e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ressaltou a importância da ocupação dos espaços institucionais pelos povos indígenas.
“Aprendi português aos 12 anos. Depois estudei Direito, inglês, espanhol, e agora quero aprender alemão. Porque sei o quanto as línguas e as culturas são fundamentais para nos manter vivos e enraizados”, contou.
Ivo afirmou que sua formação jurídica foi uma estratégia de resistência, mas também um caminho de honra à sua ancestralidade.
“O que o STJ faz aqui hoje é importante, mas acredito que o mais transformador acontece no coração das pessoas. Quando olhamos o outro e reconhecemos a sua diferença, criamos espaço para uma nova escuta”, afirmou.
Para Tião Soares, diretor de Promoção das Culturas Populares do MinC, também presente no evento, é fundamental que o sistema judiciário reconheça a pluralidade do povo brasileiro.
“O Superior Tribunal de Justiça, como guardião da Constituição e das leis do Brasil, desempenha um papel crucial na promoção da justiça e da equidade. É fundamental que este tribunal, assim como todo o sistema judiciário brasileiro, mantenha um olhar atento à diversidade cultural que compõe nossa sociedade. A inclusão de pautas que respeitem e valorizem a pluralidade é essencial para garantir a proteção dos direitos de todos os cidadãos. Ao celebrar o Dia da Diversidade Cultural, reforçamos a importância de uma justiça que não apenas julga, mas também reconhece e dignifica as variadas identidades que enriquecem nosso país”, afirmou.
Caminhos possíveis
O painel foi encerrado com uma mensagem comum a todos os participantes: a diversidade cultural brasileira precisa deixar de ser celebrada apenas simbolicamente e se tornar eixo estruturante das políticas públicas, da justiça e do futuro do país.
Para Margareth Menezes, esse caminho já começou a ser trilhado: “Estamos comprometidos com a construção de políticas culturais que acolham todas as expressões e garantam direitos. Porque a identidade do Brasil está na sua diversidade. Viva a diversidade cultural brasileira, e viva o povo brasileiro”, concluiu.
Fonte: Ministério da Cultura