Câmara dos Deputados: Comissão de Cultura debate Política Nacional das Artes

Cultura

A Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados realizou, nesta quarta-feira (24), audiência pública para discutir a Política Nacional das Artes (PNA). O encontro ocorreu no Plenário 10 do Anexo II, com transmissão ao vivo pelo canal oficial da Câmara no YouTube.

A proposta surge no contexto da divulgação, em junho, do texto-base da PNA pela Fundação Nacional das Artes (Funarte), vinculada ao Ministério da Cultura.

Na ocasião, a presidenta Funarte, Maria Marighella, e o diretor-executivo da instituição, Leonardo Lessa, apresentaram o texto-base Brasil das Artes: Uma Política Nacional, documento que sistematiza os princípios, diretrizes, objetivos e eixos de implementação da futura política pública, em diálogo com agentes convidados da sociedade civil.

Maria reforçou a importância da cultura como eixo central da vida nacional: “a cultura é a alma do Brasil. Quando o país investe em arte, ele não apenas preserva a memória, ele gera trabalho, movimenta a economia, promove inclusão social e fortalece a democracia”.

Já, Leonardo Lessa destacou o papel da arte como presença cotidiana e direito fundamental. “De onde eu vim, não tinha nada, mas nesse nada tinha cultura. A arte está em cada campo, em cada território desse Brasil, e o que ainda continua sob reivindicação são políticas que transformem essa dimensão radical da nossa contribuição como povo em direito”, afirmou.

O debate foi requerido pelas deputadas Benedita da Silva, Denise Pessôa, Jandira Feghali e pelo deputado Tarcísio Motta.

Segundo Benedita da Silva, a construção da política busca consolidar as artes como direito, além de orientar a proteção de suas dinâmicas e articular responsabilidades entre União, estados, Distrito Federal, municípios e agentes públicos e privados.

A deputada Denise Pessôa, que preside a Comissão, ressaltou a importância da política como instrumento normativo para garantir continuidade e consistência às ações no setor.

“É fundamental que o Brasil disponha de um instrumento normativo e programático específico para orientar o fomento, a valorização e a proteção das artes”, defendeu.

Em sua intervenção, Denise propôs que a política incorpore um princípio adicional de geratividade, que amplie o escopo dos já previstos — diversidade, liberdade, identidade e territorialidade. “Esta Política Nacional precisa de um princípio orientador mais amplo, um princípio de geratividade, o qual incorpore o reconhecimento do dever e da responsabilidade do Estado de estabelecer mecanismos reparativos e hiperreativos”, salientou.

Representando o coletivo teatral Ói Nóis Equilibradês, de Porto Alegre (RS), a atriz e produtora Tânia Farias destacou a urgência de implementar a Política Nacional das Artes como garantia de direitos básicos para os trabalhadores do setor. O grupo, com quase cinquenta anos de trajetória, foi lembrado por sua atuação na formação de artistas, preservação da memória teatral e resistência política durante a ditadura.

“Nós somos trabalhadores e trabalhadoras das artes nesse país, e muitas vezes temos que explicar isso”, disse Tânia, ao defender que a PNA incorpore diretrizes de previdência e proteção social para artistas. Ela também ressaltou a importância de políticas continuadas que assegurem o direito estável à arte para a população.

O bailarino Hugo Oliveira, nascido na favela do Cais do Sambão, se emocionou ao afirmar que “a dança salvou a minha vida”. Ao relatar sua trajetória — do passinho e das festas de favela até experiências internacionais e formação acadêmica —, destacou a necessidade de profissionalizar práticas populares e garantir reconhecimento aos jovens artistas. “Nós somos um país de dança. Isso é muito importante reforçar”, disse, apontando que a dança ainda enfrenta exclusão, preconceito e violência policial.

Representando o Sindicato dos Profissionais de Dança, Hugo também chamou atenção para a luta em curso pela inclusão da dança e do teatro na Prova Nacional Docente, criticando a exclusão dessas áreas do certame. Ele lembrou ainda da medida provisória que protege o programa Mais Especialistas, atualmente em votação no Congresso, e defendeu mobilização para sua aprovação.

Na sequência, o pesquisador e professor Guilherme Varella reforçou a dimensão estrutural da Política Nacional das Artes ao falar sobre a necessidade de consolidar uma cidadania artística no Brasil. “No campo artístico, a gente só entende como campo de exercício simbólico. Mas é também campo de exercício de direitos, e a gente precisa começar a vocalizar isso”, declarou.

Para Varella, a PNA pode ser um marco legal fundamental para ativar e garantir direitos culturais ainda pouco desenvolvidos na jurisprudência e nas políticas públicas. Ele sugeriu a criação de uma Agência Nacional da Música para atender demandas específicas do setor, além de destacar que a legitimação social das normas culturais é essencial para reduzir a coerção estatal e ampliar o acesso da população às artes.

A produtora cultural Sara Loyola defendeu celeridade na decretação e apontou a urgência de políticas de continuidade e logística para festivais, dado o alto custo de circulação em um país continental. Criticou a fragilidade da digitalização da Lei Rouanet e reforçou a proposta de criação da Agência Nacional da Música, já discutida desde 2006, como instrumento de desenvolvimento e não apenas de regulação.

Sara também sublinhou o peso econômico da música brasileira, que representa quase 3% do PIB da cultura e faz do Brasil o segundo país que mais consome música no mundo. Para ela, o impacto da música vai além da economia: “a música atrai multidões, leva multidões pra rua, quantas vezes for necessário. É o segmento mais levantado”, revelou, ao defender a centralidade da música na democracia e na identidade nacional.

Karla Martins, produtora e gestora cultural do Acre, definiu o encontro como “um dia absolutamente histórico para a cultura do Brasil”. Em sua fala, celebrou a mudança de postura do governo Lula no reconhecimento dos trabalhadores da cultura, após mais de duas décadas de luta. Para Karla, a cultura deve ser entendida como a “coluna vertebral do país”, capaz de estruturar pensamento, identidade e democracia.

A integrante do debate também fez um alerta sobre a necessidade de políticas claras de profissionalização, para que artistas e jovens trabalhadores culturais reconheçam sua atividade como profissão. “Nós estamos precisando acreditar que a cultura funda pensamentos e que ela é uma coluna vertebral desse país”, ressaltou.

Outro ponto de destaque em sua intervenção foi a conexão entre cultura e enfrentamento das mudanças climáticas, especialmente no contexto da COP30 e da Amazônia. Ela defendeu que as práticas culturais devem ser integradas às estratégias de preservação ambiental e biodiversidade, reforçando o papel da cultura como força vital e renovadora.

O grafiteiro e representante do Museu de Arte a Céu Aberto, Kleber Pagu, iniciou sua fala destacando a relevância da diversidade cultural brasileira e a força transformadora das artes. Ele saudou a deputada Benedita da Silva, autora da Lei 14.996 que reconhece o grafite como manifestação cultural, e demais autoridades presentes, incluindo a presidenta da Funarte, Maria Marighella.

Para Kleber, a Política Nacional das Artes é um manifesto que transforma a arte de privilégio em direito de todos os brasileiros. “As artes no Brasil não são e não serão mais um privilégio, mas sim um direito de todas e todos os brasileiros”, discursou. Ele defendeu que a PNA seja conhecida, estudada e seguida.

O artista também lembrou das dificuldades enfrentadas pelos criadores urbanos e periféricos, muitas vezes marginalizados e perseguidos: “essas ausências fizeram muitos companheiros e companheiras morrerem no caminho, sem reconhecimento. E se vocês veem hoje mais coloridas, mais potentes, é porque os artistas urbanos têm insistido em fazer arte, mesmo sendo perseguidos”, completou.

Sobre a Política Nacional das Artes

O texto apresentado também resgatou o histórico da PNA. A proposta surgiu em 2015, durante a gestão do ministro Juca Ferreira, e chegou a ser coordenada pela Funarte sob a direção de Francisco Bosco. Com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, o processo foi interrompido e só retomado em 2023, após a recriação do Ministério da Cultura e a aprovação da Lei 14.600.

O texto apresentado agora é resultado de 15 meses de trabalho do Grupo de Trabalho da PNA, instituído pelo Ministério da Cultura (MinC). Com representantes de diversas unidades do MinC, o GT buscou consolidar uma política duradoura, que reconheça o fazer artístico como direito e abranja a diversidade cultural brasileira, contemplando criação, difusão, formação, pesquisa, memória e desenvolvimento socioeconômico.

Segundo Marighella, a ministra Margareth Menezes celebrou a aprovação da lei como marco para a consolidação da política, criando um grupo de trabalho interministerial e reforçando a prioridade do tema na agenda cultural.

O objetivo da PNA é subsidiar a formulação e a implementação de uma estratégia pública ampla para o setor no Brasil, articulando agentes e territórios em torno da valorização e difusão da produção artística.

A Política Nacional das Artes estabelece quatro princípios inegociáveis — diversidade, liberdade, territorialidade e inventividade — e nove diretrizes vinculadas a direitos sociais como igualdade de gênero, infância, povos indígenas, idosos e pessoas com deficiência.

Entre os sete objetivos centrais estão: ampliar o acesso às artes, organizar a memória, fortalecer a formação e o desenvolvimento profissional, garantir participação social e fomentar geração de renda.

A implementação será estruturada em nove eixos, que vão da criação e difusão à internacionalização, passando por memória, pesquisa e desenvolvimento socioeconômico.

De acordo com os representantes da Funarte, a institucionalização da política será feita por decreto presidencial, e sua execução caberá ao Programa Brasil das Artes, programa interministerial de fomento.

A governança estará vinculada ao Sistema Nacional de Cultura, ao Conselho Nacional de Política Cultural e aos colegiados setoriais, que devem ser retomados em 2026. As fontes de financiamento incluirão o Orçamento da União, o Fundo Nacional de Cultura, a Lei Rouanet, emendas parlamentares e contribuições privadas.

Próximos passos

Entre os encaminhamentos apontados estão a promulgação do decreto presidencial que oficializa a PNA, a adesão de estados e municípios via Sistema Nacional de Cultura, a reativação dos colegiados setoriais e a diversificação das fontes de financiamento.

Para Marighella, a prioridade é garantir a efetividade dos princípios: “As artes precisam ser reconhecidas como um direito, e cabe ao Estado assegurar a diversidade, a liberdade, a territorialidade e a inventividade em todas as ações”.

24.09.2025 - Audiência Pública sobre a Política Nacional das Artes, Câmara dos Deputados (DF)

Fonte: Ministério da Cultura