“Não esquecer para jamais se repetir”. A frase do presidente da República em exercício, Geraldo Alckmin, resume o tom de um evento realizado na noite deste sábado (25/10), na Catedral da Sé, no centro de São Paulo. O ‘Ato Inter-religioso – 50 Anos por Vlado’, dedicado às vítimas da ditadura militar brasileira, homenageou a memória do jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Homenagem que teve tom ainda mais simbólico porque reeditou, no mesmo local, um evento ecumênico de 50 anos atrás.
Nem a mais covarde das mentiras, forjada pela mais vil das tiranias, foi capaz de apagar a verdade truculenta que se abatera sobre o país. Assim como, na defesa da verdade, não houve lugar para a farsa do suicídio, da mesma forma, por amor à liberdade, jamais haverá lugar para o nosso esquecimento”
Geraldo Alckmin, presidente da República em exercício
“Há 50 anos, ao fim de um ato inter-religioso nesta mesma catedral, uma multidão saiu às ruas em silêncio. O silêncio não foi derivado do medo nem da omissão. Pelo contrário, representou o mais eloquente protesto, o mais retumbante grito de “basta” que merecia ser ouvido pela cruel ditadura. Aquela multidão silenciosa que saiu desta igreja fez desta Santa Sé o ponto inicial da caminhada pela redemocratização do Brasil”, ressaltou Alckmin, durante o evento que lotou a catedral no centro da capital paulista.
Naquela ocasião, um ato realizado sete dias após a confirmação da morte de “Vlado” reuniu cerca de 8 mil pessoas na região da catedral, sob comando de líderes como o cardeal dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o reverendo Jaime Wright. A versão oficial quis fazer crer que Herzog havia cometido suicídio no cárcere, mas a farsa não se sustentou.
“Nem a mais covarde das mentiras, forjada pela mais vil das tiranias, foi capaz de apagar a verdade truculenta que se abatera sobre o país. Assim como, na defesa da verdade, não houve lugar para a farsa do suicídio, da mesma forma, por amor à liberdade, jamais haverá lugar para o nosso esquecimento”, afirmou Alckmin.
Na época do crime, Herzog exercia a direção de jornalismo da TV Cultura. Procurado pelos militares na emissora em 24 de outubro, o jornalista combinou que estaria disponível na manhã do dia 25 para interrogatório. Vlado, como era conhecido, compareceu espontaneamente à sede do DOI-Codi na Vila Mariana, para depor. Ali, foi assassinado.
Não esquecer para jamais se repetir. Hoje, Dia Nacional da Democracia, participei, em nome do presidente Lula e do governo brasileiro, do ato inter-religioso em memória de Vladimir Herzog. Na mesma Catedral da Sé, em São Paulo, relembramos que, há 50 anos, a sociedade civil… pic.twitter.com/6yzjtoxwDx
— Geraldo Alckmin 🇧🇷 (@geraldoalckmin) October 26, 2025
COMPROMISSO – Filho de Herzog, Ivo Herzog destacou que a presença de Alckmin no evento reafirma o atual compromisso do Estado brasileiro com a democracia. “Há 50 anos, quando mais de 8 mil pessoas vieram a essa catedral demonstrar a indignação contra a barbárie cometida contra o meu pai, havia medo do Estado. Havia dezenas de atiradores de plantão aguardando que qualquer manifestação justificasse um massacre”, lembrou. “Hoje, na pessoa do presidente em exercício Geraldo Alckmin, temos o Estado de mãos dadas com a gente, para reafirmar o compromisso com a democracia, com a justiça, com os direitos humanos, com a verdade.”
HISTÓRIA E MEMÓRIA – Dezenas de pessoas que estiveram no primeiro ato e voltaram para a catedral 50 anos depois foram aplaudidas de pé. Também compareceram ao evento organizado pelo Instituto Vladimir Herzog e a Comissão Arns religiosos, parlamentares, artistas, jornalistas e representantes de instituições que defendem os direitos humanos e causas humanitárias.
Há 50 anos, quando mais de 8 mil pessoas vieram a essa catedral demonstrar a indignação contra a barbárie cometida contra o meu pai, havia medo do Estado. Hoje, na pessoa do presidente em exercício Geraldo Alckmin, temos o Estado de mãos dadas com a gente, para reafirmar o compromisso com a democracia, com a justiça, com a verdade”
Ivo Herzog, filho de Vladimir Herzog
SIMBOLOGIAS – Na cerimônia, houve apresentações do Coro Luther King, seguida de manifestações inter-religiosas com a presença de dom Odilo Pedro Scherer, da reverenda Anita Wright – filha de Jaime Wright, e do rabino Rav Uri Lam. O ato foi intercalado por músicas executadas pelo coral e discursos. Uma das falas mais aplaudidos foi a da presidente do Superior Tribunal Militar, Maria Elizabeth Rocha, primeira mulher a ocupar a liderança da instituição, que fez um pedido de perdão pelos erros e omissões judiciais cometidos ao longo do período da ditadura.
PERDÃO – “Estou presente neste ato ecumênico de 2025 para, na qualidade de presidente da Justiça Militar da União, pedir perdão a todos os que tombaram e sofreram lutando pela liberdade. Pedir perdão pelos erros e as omissões judiciais cometidas durante a ditadura. Peço perdão a Vladimir Herzog e sua família, e a tantos outros homens e mulheres que sofreram com as torturas, as mortes, os desaparecimentos forçados e o exílio”, afirmou Elizabeth. “Eu peço, enfim, perdão à sociedade brasileira e à história do país pelos equívocos judiciários cometidos pela Justiça Militar Federal em detrimento da democracia e favoráveis ao regime autoritário”, completou.
VALORES SAGRADOS – Para o presidente em exercício, a memória de Herzog segue viva e evoca a promessa de defender os valores sagrados da vida, da liberdade e dos direitos humanos. “Por isso, reafirmo aqui, em nome do presidente Lula e em meu próprio, a nossa promessa e, muito mais que promessa, o nosso inabalável compromisso e perseverante empenho na defesa da verdade, da justiça e da democracia”, afirmou Alckmin, que concluiu.
COMUNHÃO – “A comunhão da fraternidade, que hoje também aqui se celebra, é a mesma que precisa definitivamente ser realizada em nosso país. É a que deriva da real e duradoura compreensão de que somos um só povo, que devemos aprender com as lições que a história nos legou, e que podemos, sim, alcançar juntos o ideal de realizar um sonho comum de futuro. É inegável a verdade que ouvi certa vez ser dita de que, sem fraternidade, não há ecumenismo, e sem ecumenismo, não há comunhão”.

