Segurança alimentar ganha força como resposta estratégica à crise climática

Meio Ambiente

A saída do Brasil do Mapa da Fome, anunciada pela ONU na última semana de julho, mostra que garantir o direito à alimentação também é enfrentar, na prática, os efeitos da emergência climática. Esse foi o foco da 2ª Reunião Plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), realizada na última terça-feira (5/8), em Brasília. Durante o encontro, autoridades e especialistas destacaram a urgência de integrar a segurança alimentar à agenda climática, diante dos impactos crescentes das mudanças do clima sobre a produção de alimentos e sobre a vida das populações mais vulneráveis. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) participou da abertura do evento, que contou com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no encerramento.

A emergência climática já impõe consequências reais ao Brasil. Ondas de calor extremo, secas prolongadas e desequilíbrios no regime de chuvas vêm desafiando a produção agrícola e dificultando o acesso à alimentação adequada. Diante desse cenário, o país tem buscado soluções articuladas para reduzir vulnerabilidades e proteger quem mais sofre com os efeitos da crise. A segurança alimentar e nutricional ganha centralidade nesse contexto, como um dos eixos estratégicos da política climática brasileira.

A articulação entre essas duas frentes foi debatida na abertura do encontro do Consea, com a presença do secretário nacional de Mudança do Clima do MMA, Aloísio Melo. O secretário ressaltou a importância de uma abordagem intersetorial e da ação coordenada do Estado para enfrentar os impactos climáticos sobre a segurança alimentar.

“Não dá para falar em combate à mudança do clima sem endereçar o combate às desigualdades, sem colocar no centro a necessidade de instituições públicas fortalecidas e de uma sociedade mobilizada para enfrentar essa agenda”, afirmou Melo. “A mudança do clima é um amplificador de vulnerabilidades pré-existentes, e a segurança alimentar está diretamente nesse campo”, acrescentou.

O secretário destacou que o Brasil vive um momento decisivo. As transformações climáticas alteraram significativamente variáveis como temperatura, estiagem e regimes de precipitação em diferentes regiões do país. “O clima já mudou no Brasil. Temos áreas com temperaturas que chegam a três graus acima da média histórica. Secas mais longas e ondas de calor mais intensas afetam diretamente a produção de alimentos e a disponibilidade de água”, pontuou.

Melo ressaltou a necessidade de tratar, cada vez mais, a agenda climática como prioritária. “Precisamos do Estado como um todo, das políticas públicas, dos governos nos diversos níveis, entendendo, assimilando e internalizando essa agenda como prioritária”, destacou. O secretário alertou que a “inação proativa” frente aos efeitos das mudanças do clima resultará em “ações reativas”, com destinação de recursos escassos para socorrer calamidades crescentes.

Plano Clima

A relação entre segurança alimentar e mudanças climáticas também se expressa nos setores responsáveis pelas emissões de gases de efeito estufa no país. Enquanto 70% das emissões globais estão ligadas ao uso de combustíveis fósseis, no Brasil esse número é o oposto — cerca de 70% das emissões brasileiras vêm do uso da terra, do desmatamento, da degradação florestal e das atividades agropecuárias, com destaque para a bovinocultura e o uso de fertilizantes nitrogenados. “Há uma conexão direta entre o setor que produz alimentos e a contribuição do país para a mudança climática”, advertiu Melo.

O Plano Clima é o principal instrumento da política climática brasileira e contempla duas estratégias principais: de mitigação, que visa reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e de adaptação, que busca preparar a sociedade e o meio ambiente para os efeitos já sentidos e esperados das mudanças climáticas.

Em relação à adaptação, o Plano Clima conta com 16 planos setoriais e, alguns deles, tratam sobre a segurança alimentar e nutricional e a agricultura familiar. Para o secretário, esses eixos são fundamentais para traçar caminhos viáveis de como o Brasil pode “promover ou garantir segurança alimentar em um contexto de clima mais extremo, quer seja do ponto de vista da necessidade de instituições fortes e políticas presentes e capazes de chegar onde estão as populações mais vulnerabilizadas, quer seja do ponto de vista de garantir a disponibilidade dos alimentos”.

Entre as ações específicas, o secretário citou o papel do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), por meio da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que tem liderado a construção de sistemas agroalimentares resilientes com base na agroecologia. “Queremos garantir a oferta de alimentos e o acesso à água para consumo humano, animal e produtivo”, explicou Melo, destacando programas como o de cisternas no semiárido e na Amazônia.

O financiamento das ações climáticas também foi abordado. O secretário mencionou o reforço no orçamento do Fundo Clima, que passou de R$ 400 milhões para R$ 10 bilhões em 2024, com mais R$ 11,3 bilhões em 2025. “Boa parte das ações de adaptação são intrínsecas ao Estado e precisam ser financiadas por políticas públicas estruturadas e duradouras”, afirmou.

Desigualdades

Durante os debates na 2ª Reunião do Consea, diferentes representantes da sociedade civil destacaram que os impactos da crise climática não são distribuídos de forma equânime. Mulheres, povos indígenas, comunidades quilombolas, agricultores familiares e populações em situação de vulnerabilidade são os mais atingidos por eventos extremos, como secas, enchentes e escassez hídrica.

O representante do Observatório do Clima no Conselho, Márcio Astrini, fez um alerta sobre os riscos de uma transição injusta no campo. “Como é que você faz uma transição justa para quem vai perder a capacidade de produzir, como o agricultor familiar do Nordeste? Se não houver financiamento, assistência técnica e políticas direcionadas, a mudança climática pode ser um fator de concentração de terras”, advertiu.

Para enfrentar esse cenário, o Consea e o MDS trabalham na construção de um marco de referência para orientar as políticas públicas voltadas aos sistemas alimentares e ao clima. A proposta é garantir a convergência de ações entre diferentes setores e promover a transição para sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e baseados na justiça climática, no direito humano à alimentação adequada e na soberania alimentar.

“Se não houver participação social, não vamos a lugar nenhum”, afirmou a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Lilian Rahal. “A transformação dos sistemas alimentares está no centro da crise climática e da solução. Precisamos mudar os modos de produção e consumo em harmonia com a natureza”, completou.

Encerramento com o presidente Lula

Para o governo federal, a saída do Brasil do Mapa da Fome já é um indicativo de que as políticas e estratégias traçadas de forma interministerial estão surtindo efeito. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que participou do encerramento da reunião do Consea, comemorou o feito. “Quero viver 120 anos, mas se morresse hoje, estaria satisfeito por tudo que conseguimos juntos. Nosso país pode ser muito melhor. O que falta é vontade política e compromisso”, declarou.

“Eu acredito que a gente pode transformar o Brasil num país de classe média, onde todos comem, moram, estudam e têm acesso à cultura e lazer”, disse Lula. A retirada do Brasil do Mapa da fome é uma conquista que está diretamente relacionada ao fortalecimento da governança em segurança alimentar e ao reconhecimento de que a adaptação climática passa, necessariamente, pelo combate à fome e à pobreza.

“O que esperávamos atingir em quatro anos, realizamos na metade do prazo”, declarou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo, ao lembrar que o retorno do Consea e o compromisso com os mais vulneráveis foram determinantes para esse avanço. “O combate à fome tem tudo a ver com a discussão sobre preservação ambiental e sustentabilidade. Por isso, defendemos que esse tema seja prioritário na COP30”, reforçou.

Em relação à Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em novembro, em Belém (PA), o presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago, reforçou que o país tem uma liderança reconhecida internacionalmente em segurança alimentar e pode levar essa expertise para o centro da agenda climática global. “A união que fizemos aqui hoje é essencial para levar ao mundo a mensagem de que segurança alimentar e clima estão interligados. É disso que trata uma COP de resultados”, afirmou o embaixador.

Os debates da reunião do Consea continuam, nesta quarta-feira (6/8), com a apresentação das comissões permanentes e deliberações sobre as propostas em pauta. 

Fonte: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima