Seminário Internacional reflete sobre presença das culturas tradicionais e populares do Brasil em outros países

Cultura

Desde os anos 60, as culturas tradicionais e populares brasileiras têm conquistado espaço em outros países. A capoeira, o forró, o maracatu e os povos de terreiro são exemplos dessa conexão com outras regiões do globo e que geram fomento ao turismo e ao consumo cultural fora do Brasil. Para traçar um panorama deste processo, o Seminário Internacional das Culturas Tradicionais e Populares reuniu neste sábado (20) mestras e mestres que já cruzaram as fronteiras de seus territórios para mostrar a potencial da cultura brasileira no exterior. O painel sobre internacionalização foi mediado por Joaquim Otávio Melo Lima, da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Cultura (MinC).

Uma das experiências apresentadas foi a da Rede de Matriz Africana (Rema). Pai Geová de Kavungo, do Espírito Santo, explicou que já conseguiram alcançar 27 países, entre eles a Suécia, onde promovem há 14 edições o Balaio para a Iemanjá, uma festa da cultura afro brasileira.

“Em todos esses anos, nunca tivemos ajuda governamental, nem municipal, estadual ou federal. Isso é a força dos fazedores de cultura de levar, de resistir, de persistir e mostrar e valorizar a cultura brasileira em vários países. Temos que valorizar a internacionalização, porque essa divulgação faz com que os europeus venham conhecer as escolas de samba, os terreiros, o frevo e toda a cultura que foi apresentada lá”, afirmou.

A capoeira também conquistou o mundo. Segundo o Mestre Sabiá (BA), do Grupo Ginga Mundo, essa manifestação está em mais de 170 países e pode ser considerada a maior divulgadora da língua portuguesa no exterior. “O processo de internacionalização do capoeira foi feito pelo próprio capoeira, pelo seu espírito aventureiro, pela sua fé, pela sua organização. Quando a gente pensa na capoeira com uma manifestação de origem escrava, num país extremamente racista, preconceituoso, onde até hoje nega sua história, sua origem, e a gente vê a capoeira atravessar o Atlântico é extremamente significativo. A capoeira é arte, dança, cultura, mas ela é política também. É importante e necessário que a gente assuma esse papel”, enfatizou.

Mãe Rita Baiana, responsável pela Associação de Baianas do Acarajé (ABAM), falou sobre o trabalho da entidade para popularizar o ofício das baianas nas 27 unidades da federação e em mais de 10 países, como Espanha, França, Suíça, Portugal e Estados Unidos. Destacou ainda que tem recebido grupos estrangeiros interessados em conhecer a produção do acarajé brasileiro.

O Ofício das Baianas de Acarajé foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil em 2005. A luta agora é unir os países, principalmente na África, que produzem essa receita, que tem nomes diferentes em cada local, para transformá-la em Patrimônio da Humanidade.

“Estou há 10 anos trabalhando para tornar o nosso ofício Patrimônio da Humanidade já que o acarajé – com nomes diferentes, mas com a mesma receita – está em vários países. Eu já encontrei em Cuba, Moçambique, Benin, Nigéria, Angola. Então, são vários países que tem essa receita de feijão fradinho, sal e cebola frito no dendê”.

O forró, que Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil desde dezembro de 2021, também busca o reconhecimento internacional. A Mestra Joana Alves (PB), do Fórum Nacional do Forró de Raiz, defendeu a valorização dessa expressão cultural dentro e fora do país.

“A gente precisa fortalecer essa cadeia, que não é só entretenimento, com um trabalho de base realmente. Se tem uma pessoa na universidade que consegue um diploma, por que nós da cultura que passamos dez anos estudando, a gente não consegue ter o mesmo valor? Então, a gente precisa entender que cultura é trabalho, estudo, capacitação. Tem uma responsabilidade social econômica muito grande”, concluiu.

Thiago Oliveira, da Divisão de Ações de Promoção da Cultura Brasileira do Ministério das Relações Exteriores (MRE), explicou as ações desenvolvidas para promover a cultura brasileira em outros países. Por meio do Instituto Guimarães Rosa, o MRE atua em quatro áreas: a cooperação educacional, a promoção da língua portuguesa, o trabalho com organizações multilaterais para reconhecer manifestações brasileiras como patrimônio e a promoção cultural.

“A gente trabalha com todo o aspecto da cultura. A gente ajuda a promover a música, a arquitetura, a gastronomia, as danças, o cinema, enfim tudo o que é cultura brasileira. Então, a minha área específica dentro do Instituto Guimarães Rosa é promoção cultural. A gente apoiou, nesses primeiros seis meses do ano, 300 projetos de cultura brasileira no exterior, 10% de cultura popular. A nossa estrutura fica em Brasília. A gente libera o dinheiro para os projetos que vão acontecer no exterior. Somos acionados por uma rede de 200 embaixadas e consulados. Quem está ali naquela região aciona as embaixadas e consulados, para propor os projetos”, detalhou.

Paul Heritage, professor de Teatro e Performance da Queen Mary University of London, desenvolve há 30 anos trabalhos que integram grupos culturais do Brasil com a Inglaterra. A partir dessa vivência, percebeu que o principal diferencial dos projetos culturais brasileiros é a capacidade de gerar transformação social.

“A tecnologia social da cultura é fazer transformação social com a arte. Esse é o tipo de coisa que internacionalmente os países europeus e aqueles que têm os mesmos conflitos sociais que existem no Brasil se interessam. Trabalhei por seis anos com o grupo de afroreggae do Rio de Janeiro, apresentando shows culturais na Europa. Mas as pessoas que trabalham com os jovens em Londres não querem saber só como se faz esse batuque maravilhoso, mas como engajar os jovens nesse trabalho”, sugeriu.

Painel As Pessoas como Patrimônio

No último painel do evento, o destaque foi a a valorização das mestras e mestre como guardiões de conhecimentos e que precisam ser reconhecidas como patrimônio cultural. A mediação foi feita pela diretora de Articulação e Governança da Secretaria de Articulação Federativa e Comitês de Cultura do MinC, Desiree Tozzi, que apresentou um histórico da política de patrimônio no país e destacou a importância desse debate ser feito nas três esferas: federal, estadual e municipal.

“Temos que mudar a lógica de achar que a responsabilidade de preservar as culturas populares está em um único ente federado. A gente precisa descentralizar essa responsabilidade, definir o papel do município e do estado e pensar como a sociedade pode contribuir na construção de uma política contínua, perene e estruturada”, afirmou.

Desiree lembrou ainda dos investimentos da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura, que tem garantido recursos para os entes federados investirem em seus territórios, incluindo nas culturas tradicionais e populares.

Já as políticas nacionais de patrimônio foram apresentadas pela Diana Dianovsky, coordenadora-Geral de Identificação e Registro do Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Segundo Diana, a política de patrimônio existe desde o século 19 e vem se adaptado ao longo do tempo para atender as demandas da sociedade. Uma dessas mudanças foi incluir, por exemplo, esse reconhecimento dos modos fazer, viver e as celebrações feitas nas comunidades.

Explicou que, apesar das políticas de patrimônio terem como foco o bem cultural, as pessoas também são incluídas nessas ações. Citou como exemplo o reconhecimento de ofícios, que já contemplou os mestres da capoeira, as baianas do acarajé, as parteiras, entre outros. “É central e vital que os mestres e mestras consigam ter dignidade para continuar fazendo suas tradições e transmissão de seus saberes e conhecimentos”, concluiu.

A historiadora e criadora do Canal Pensar Africanamente Silvany Euclênio (SP) defendeu a valorização das pessoas detentoras de sabedoria ancestral e responsáveis por sua transmissão. Alertou para que não haja uma hierarquia entre os conhecimentos acadêmicos e tradicionais.

“Nós somos corpos territórios porque em nossos corpos se inscrevem memórias, ancestralidades, conhecimentos, tecnologias. Eu não digo que são saberes e fazeres, porque eu considero que o que nós temos é conhecimento assim como aquilo que vem da academia. Os territórios geográficos possibilitam produção cultural e a sua transmissão, mas os nossos corpos também são territórios. Em nossa cosmovisão africana, esse corpo é continuidade, parte da natureza, da comunidade, porque abrigam energia vital. Cada gesto, cada canto, cada dança é uma forma de ritualizarmos as nossas origens”.

Participaram deste painel Adiel Luna (PE), cantador de viola, aboiador, cordelista e mamulengueiro, e o Mestre Rosildo do Rosário (BA) – Mestre da Cheganças dos Marujos Fragata Brasileira/Saubara (BA).

Sobre o evento

O Seminário Internacional Culturas Tradicionais e Populares e Justiça Climática é uma realização do MinC, do Instituto Federal do Rio Grande do Norte, da Casa Cavaleiro de Jorge, com o patrocínio da Caixa Econômica Federal e o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Governo do Distrito Federal. A programação faz parte do 25º Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.

20.09.2025 - Seminário Internacional Culturas Tradicionais e Populares e Justiça Climática, Chapada dos Veadeiros (GO) - dia 04

Fonte: Ministério da Cultura