Dando continuidade aos debates do 1º Seminário Nacional de Ações Afirmativas na Cultura, na tarde desta terça-feira (7), em São Paulo, os painelistas expuseram as múltiplas facetas da implementação da Política Nacional Aldir Blanc e os desafios para a garantia da diversidade na Política. Na segunda mesa do dia, os diálogos giraram em torno das ações afirmativas nas políticas culturais federais. A conversa foi mediada por Joelma Gonzaga, secretária do Audiovisual do MinC, e contou com a presença de Maria Marighella, presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte); João Jorge Rodrigues, presidente da Fundação Cultural Palmares; e Juuara Juareza Barbosa dos Santos, representante do Programa Agentes Territoriais de Cultura de Londrina (PR).
Joelma ressaltou a importância do encontro para consolidar políticas públicas culturais mais inclusivas, situando o debate em uma linha do tempo que remonta a mais de uma década de construção coletiva. “A temática dessa mesa, ações afirmativas nas políticas culturais federais, dialoga com dois pontos muito importantes que convém destacar na perspectiva do acumulado histórico do que vem sendo desenvolvido, sobretudo nos últimos treze anos”.
Convidada a falar sobre o papel da Funarte, Maria Marighella destacou a necessidade de transversalizar as políticas afirmativas para todas as linguagens artísticas e de enfrentar a dívida histórica do Estado com populações negras e originárias. “Falar de política pública e das ações afirmativas nesse contexto é dizer diariamente que aquilo que nós fazemos não paga a dor. Mas é o primeiro passo para interromper a violência”, salientou.
A presidenta da Fundação lembrou que políticas como a Aldir Blanc reservaram percentuais de recursos para populações negras, indígenas e pessoas com deficiência, além de promover equidade de gênero e empregabilidade para pessoas trans.
Juuara Juareza trouxe ao debate a experiência do Programa Nacional dos Comitês de Cultura, que atua em 24 estados e no DF, reunindo mais de 600 agentes territoriais e priorizando diversidade e justiça social. Os dados do programa revelam uma base plural: a maioria são mulheres, com alta representatividade de pessoas negras, jovens, indígenas, quilombolas, trans e com deficiência.
Por fim, João Jorge Rodrigues recuperou a trajetória histórica das ações afirmativas no Brasil e o pioneirismo da Fundação Cultural Palmares, criada em 1988 como primeiro instrumento federal de valorização da cultura afro-brasileira. Ele lembrou que ações afirmativas surgiram no pós-Segunda Guerra Mundial como resposta a desigualdades profundas e que o Brasil, historicamente, direcionou políticas a grupos privilegiados, deixando populações negras e indígenas à margem.
“A Fundação Palmares foi o primeiro instrumento de ação afirmativa do Estado brasileiro. Antes da Constituição Cidadã”. Ele completou “Ação afirmativa é para gerar oportunidades e, num futuro próximo, ajudar que o Brasil se desenvolvesse. Um país como esse não pode ser chamado de civilizado sem isso”, concluiu o presidente da Palmares.
Os participantes também destacaram os avanços recentes na incorporação da diversidade como eixo estruturante das políticas culturais, ao mesmo tempo em que apontaram os desafios para garantir que essas ações sejam efetivas e permanentes, não apenas iniciativas pontuais. Foram abordadas questões ligadas à institucionalização das ações afirmativas, à valorização dos territórios culturais e ao fortalecimento de políticas que alcancem grupos historicamente sub-representados.
Desafios e oportunidades na implementação da Aldir Blanc
Na sequência, a terceira mesa de debate trouxe o tema Ações Afirmativas na Política Nacional Aldir Blanc: implementação, desafios e oportunidades. A mediação ficou a cargo de Márcia Rollemberg, secretária de Cidadania e Diversidade Cultural do MinC. Segundo Márcia, a Política Nacional Aldir Blanc representa uma oportunidade concreta de construir uma política cultural inclusiva, diversa e territorializada, consolidando um modelo de gestão participativa que dialoga com realidades locais e amplia o alcance das políticas de equidade. “Essa é a grande chave de toda a discussão: efetivar direitos culturais”.
“Se temos uma política inclusiva, ampla, diversa e plural, a Rede Cultura Viva traduz tudo isso com gestão participativa e visão federativa”, completou a secretária da SCDC.
Um dos pontos centrais da mesa foi a apresentação de uma pesquisa inédita realizada pela Secretaria de Gestão Estratégica (SGE) sobre a implementação das ações afirmativas nos editais da Aldir Blanc em estados e capitais. A legislação estabelece cotas mínimas de 25% para pessoas negras, 10% para indígenas e 5% para pessoas com deficiência.
A análise de 496 editais revelou que a maioria superou os percentuais mínimos obrigatórios: foram reservados 43% dos recursos e 10.895 vagas nos estados, e 41% dos recursos e 2.681 vagas nas capitais. A reserva para pessoas negras ultrapassou os 25% previstos; para indígenas, chegou a 11%; e para pessoas com deficiência, 6%. Destaques regionais incluem Bahia e Salvador com altas reservas para pessoas negras; Amazonas e Manaus para indígenas; e Fortaleza e DF para pessoas com deficiência.
“Nos editais de que trata esta lei, os entes federativos recebedores dos repasses da União deverão estabelecer políticas de ação afirmativa”, explicou Hendye Borém, da Subsecretaria de Gestão Estratégica (SGE/MinC). Por sua vez, Gabriel Ribeiro, também da SGE, reforçou “Mais de 90% dos editais estão sim seguindo essa instrução normativa, e essa oferta está sendo feita. É um grande resultado dessa constatação dos dados”.
O também representante da SGE, Andrei Bueno, complementou “A política de ações afirmativas instituída pelo Ministério da Cultura para o fomento tem sido implementada pelos estados e capitais em seus editais. Isso é uma gota dentro de um oceano de reparação”.
Tatiana Carvalho Costa, da Associação dos Produtores Audiovisuais Negros (APAN), trouxe um olhar crítico sobre a aplicação das políticas. Ela relatou casos de desvirtuamento das cotas, em que pessoas negras são incluídas nos projetos apenas para viabilizar acesso aos recursos e posteriormente excluídas dos processos criativos. “Os relatos revelam um padrão de apropriação indevida, de narrativas negras e de instrumentalização da identidade racial como meio de acesso a políticas públicas, o que reforça desigualdades”.
A coordenadora de acessibilidade da Secretaria de Cultura do Ceará, Tamiry Vieira, relatou a experiência local na implementação de políticas afirmativas com cotas diferenciadas — 20% para pessoas negras, 10% para pessoas com deficiência, 5% para indígenas e 5% para quilombolas — e processos participativos. Os editais foram disponibilizados em Libras, Braille e linguagem simples, além de suporte técnico para inscrições.
Susana Kaingang, do Pontão de Cultura Indígena da Chapada dos Veadeiros (GO), falou sobre o acesso dos povos originários, reconhecendo os avanços da Aldir Blanc, ela trouxe também a perspectiva dos desafios. Ela defendeu a valorização da tradição oral, a adaptação linguística e cultural dos instrumentos e a construção de um Plano Nacional de Culturas Indígenas para garantir a efetividade das políticas.
Fonte: Ministério da Cultura