Festa Junina: potência de nossa cultura

Cultura

Uma comunidade pode ser identificada por um conjunto particular de elementos. Dentre eles, as festas tradicionais e populares são as que mais revelam e mantêm vivas as características de uma localidade, de um território e de um povo. Aproxima-se a comemoração daquela que, no caso brasileiro, é uma das manifestações populares que melhor representa nossas identidades, valores e tradições: a Festa Junina.

Entretanto, embevecidos por halloweens e oktoberfests, ultimamente não nos damos conta dos símbolos e signos entrelaçados nas comemorações juninas. Elas nos diferenciam, nos dão identidade e marcam a nossa formação como povo brasileiro.

Em diversos países da Europa, as festas do mês de junho têm origem ancestral. Elas vêm da antiga comemoração do solstício de verão, na qual o sol e suas atribuições de calor, energia e luz viabilizam a vida, tanto para os homens quanto para as plantas. Tanto é assim que ainda hoje, em Portugal, França, Irlanda, nos países nórdicos e nos países do Leste Europeu a comemoração é realizada, sendo atrelada a diferentes culturas – pagãs, católicas, ortodoxas e protestantes. É na Europa que a fogueira, um ritual ancestral, é cristianizada e transforma-se num sinal do nascimento de São João.

No Brasil, como é comum levarmos em consideração apenas os aspectos predominantes da cultura do colonizador, deixando à margem os sentidos e proposições das culturas originárias indígenas e de matrizes africanas. A Festa Junina é identificada como uma celebração trazida pelos portugueses católicos para louvarem São João. Assim, a maioria dos estudiosos identifica as comemorações juninas como nascidas exclusivamente na Europa e protagonizadas por santos cristãos. Em vista disso, os significados, especialmente da fogueira e do mastro, são atribuídos somente aos símbolos portugueses, que nas comemorações do mês de junho costumam erguer uma estrutura de madeira para festejar os santos populares – São João, São Pedro e Santo Antônio.

Entretanto, essa é apenas uma das influências de outras culturas que recebemos. No Nordeste brasileiro, principalmente, as festas de junho têm origem também na colheita dos alimentos, quando as comunidades se reuniam para comungarem a abundância dos vegetais e cereais – principalmente o milho – ou para pedirem chuva para as plantações.

Partindo da antiga crença de que somente por meio do domínio sobre o fogo é que o homem pode transformar seus alimentos, cozinhar, fazer o milho virar pamonha, é que, também em junho, milhares de afro-brasileiros se reúnem em torno da chamada fogueira de Xangô, festa onde as atribuições do fogo e sua importância civilizadora são comemoradas. Não é a toa que Xangô, o deus do fogo, é sincretizado com São João e São Pedro.

Nesta mesma ocasião é erguido um mastro – um poste memorial onde os ancestrais são louvados. Sua função simbólica é rememorar o nascimento do mundo. O mastro representa o centro do mundo, a primeira árvore.

Misture-se a tudo isso os símbolos da cultura caipira, termo que os povos indígenas deram à miscigenação com o branco. A palavra Kaai-pira na língua tupi significa o que vive afastado, o cortador de mato, referência às roças de subsistência, principalmente de mandioca, milho e feijão. Mais adiante, caipira também passou a ser utilizado como uma designação genérica dos habitantes do interior ou do campo.

Para celebrar a vida e a fartura é também a partir de junho que muitos povos indígenas festejam a colheita do milho, do feijão, do arroz e de outros alimentos. A Festa do Mugunzá do Povo Kanindé, no Ceará e a Festa da Colheita do Arroz do Povo Sororó, no Pará são exemplos, assim como a Colheita do Mel do Povo Tenetehara, no Maranhão, iniciada em julho.

Por todos esses sentidos e símbolos, as festas juninas brasileiras não podem ser tratadas simplesmente como espetáculos, sem conteúdo significante ou como simples produtos da mistura entre culturas.

Como nos ensina o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva, as culturas dialogam entre si, pois quando se encontram, mesmo que num contexto de confronto, ambas saem modificadas.

As festas juninas ocorrem em todas as regiões do Brasil, com suas particularidades locais e regionais e são também espaços de lazer, seja em territórios rurais ou urbanos. As quadrilhas juninas no Nordeste, o batizado do Boi no Maranhão, a Festa de Parintins no Amazonas, as Festas no Vale do Paraíba em São Paulo e as danças de fita no Rio Grande do Sul são apenas alguns exemplos de festividades que acontecem no mês de junho.

O aspecto coletivo também  é ponto fundamental, pois há inevitavelmente a diluição da individualidade bem como, ela é constituída por vários elementos – ao mesmo tempo – que são agregados nela, como, música, dança, canto, roupas, adereços, bebidas, comidas, comportamentos, performances etc.

Outro elemento é que as festas juninas geram emprego e renda, além de movimentarem a economia nacional. Em estimativa da CNN Brasil as festas juninas devem movimentar R$ 7,4 bilhões em 2025.

Não somente as manifestações artísticas e as expressões culturais fortalecem a economia da cultura, mas também coletivos e redes produtivas de moda e vestuários, acessórios, alimentos, artesanato, literatura e cordel, entre outros.

No Brasil as festas juninas são de todos os povos que constituem a cultura nacional. Abrir mão da diversidade presente nas culturas tradicionais e populares é empobrecer o desenvolvimento humano.

É preciso valorizar o fazer/saber e, mais que isso, o saber sobre os fazeres culturais, algo que crie um sentimento de pertencimento e sociabilidades que promovam o diálogo em todo o país. As festa juninas não podem ser reduzidas a simples espetáculos ou a megaeventos, devemos compreendê-la como um cenário do conhecimento e do reconhecimento da diversidade, não apenas da informação e do desconhecimento.

Desse modo, entendemos que a cultura tradicional e popular não basta ser vista, ela terá que ser reconhecida nas suas diversas dimensões – simbólica, sociocultural, política e econômica.

Ao realizarmos nossas festividades, redescobrimos o potência de reconstruir o mundo, as relações e de fazer nossa cultura de modo total.

Tião Soares

Diretor de Promoção das Culturas Tradicionais e Populares da Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura do Brasil. Doutor em Ciências Sociais, Mestre em Educação, Especialista em Gestão e Políticas Culturais (Cátedra Unesco de Cultura – Universidade de Girona/ES).

Pedro Inatobi Neto

Cientista Social e Doutorando em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

Fonte: Ministério da Cultura