A Fundação Nacional de Artes (Funarte), vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), em parceria com a Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer do Mato Grosso (Secel-MT), realizou uma missão inédita à Aldeia Ipatse, localizada na Terra Indígena do Xingu, onde foi lançado o livro Meu Amado me Disse: os cantos tōlo dos povos Karib do Alto Xingu, um registro histórico dos cantos da região, idealizado pela linguista e antropóloga Bruna Franchetto em parceria com o pesquisador indígena Yamaluí Kuikuro Mehinaku.
A cerimônia, realizada em 21 de setembro, reuniu a comunidade Kuikuro, lideranças indígenas, representantes da Secel-MT e comitiva da Funarte, composta pela presidenta, Maria Marighella, a diretora do Centro de Artes Visuais e primeira dirigente indígena da instituição, Sandra Benites, a chefe de gabinete Laís Almeida e o organizador geral da obra, André Vallias, representando também a pesquisadora Bruna Franchetto.
A presença da Funarte no território indígena é considerada histórica, marcando uma nova etapa da instituição no reconhecimento, valorização e difusão das artes e memórias dos povos originários. Com este lançamento, também pela primeira vez, a Funarte está lidando com a dimensão de direitos autorais coletivos em suas publicações, sendo a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX) a detentora: uma inovação que mobiliza a Fundação a abarcar dinâmicas próprias das criações e artes indígenas.
Meu Amado me Disse: os cantos tōlo dos povos Karib do Alto Xingu reúne 100 cantos tradicionais (tōlo), transmitidos entre gerações e executados por mulheres em rituais sagrados dos Kuikuro. A partir da documentação em campo realizada por Bruna Franchetto e pelo também antropólogo Carlos Fausto, os cantos-poemas foram transcritos na língua original, pertencente à família Karib, e traduzidos ao português, incluindo áudios acessíveis por QR-Code.
Integrando o Programa Funarte Memória das Artes, o livro se insere nos eixos “Memória e Pesquisa” e “Formação e Reflexão” da Política Nacional das Artes, reafirmando o compromisso da instituição em preservar a diversidade cultural brasileira e projetar futuros a partir da memória.
Na ocasião, a comunidade também entregou à presidenta da Funarte, Maria Marighella, e ao secretário adjunto de Cultura do MT, Jan Moura, um pedido formal para a criação do Centro Cultural do Povo Kuikuro.
A pesquisadora Bruna Franchetto apresenta o livro: “‘É com esse canto que minha filha madrugará esta noite’: são as palavras da eginhoto (mestra de cantos) mais idosa de Ipatse, a principal aldeia do povo Kuikuro do Alto Xingu. Ájahi transmitiu seus conhecimentos e sua arte para novas gerações de mulheres. O livro que agora publicamos é registro de memórias ancestrais, de uma tradição sempre renovada e um estímulo, esperamos, para que mais jovens queiram aprender e cantar nas madrugadas e na praça da aldeia”. Sobre o processo de produção, ela conta: “Foram pelo menos 10 anos de trabalho colaborativo, linguístico e etnográfico, de pesquisadores indígenas e não-indígenas, um esforço contínuo para que esta arte verbo-musical pudesse ser apresentada ao mundo com a sua beleza e a sofisticação. É um exemplo de que a poesia cantada da palavra está viva nos povos originários e é sublime”.
Sobre o lançamento na Aldeia Ipatse, Bruna Franchetto diz: “Foi uma decisão acertada a de lançar o livro na aldeia, com festa, danças, cantos, corpos pintados, crianças. Os Kuikuro folhearam as páginas, ouviram os cantos, gostaram das cores, das traduções possíveis de sua língua para o português. A beleza dos cantos-poemas é deles; André Vallias contribuiu para a beleza do objeto ‘livro’. Que os povos alto-xinguanos continuem sendo os guardiões de suas muitas línguas e artes”.
Para a presidenta da Funarte, Maria Marighella, a publicação reafirma a missão da instituição: “No momento atual, criações como essa nos convidam a refletir sobre uma ética do existir que seja um cuidado com esse corpo coletivo. As artes indígenas têm retomado terras, línguas, cantos, técnicas, materiais e imaginários na sua diversa e sofisticada produção poética. Nesse sentido, a presente publicação realizada pela Fundação Nacional de Artes, Ministério da Cultura e Governo Federal, em parceria com fundamentais pesquisadores do campo, é uma afirmação de horizontes”.
A diretora do Centro de Artes Visuais da Funarte, Sandra Benites, falou sobre o marco da publicação: “Os cantos também são uma forma de nós, mulheres, nos organizarmos politicamente e dizermos aquilo que queremos. São como uma arte onde se usa metáfora para se dizer muitas coisas de forma poética, festejando. O canto engloba as dimensões de saúde e educação. Também é sagrado, político, artístico e uma comunicação com espíritos. É uma forma de nos relacionarmos com universos que não são visíveis. É muito importante que os cantos das mulheres indígenas sejam valorizados”.
A liderança indígena e professor Mutua Kuikuro, ao destacar a importância da presença da Funarte no território, também descreveu a relevância do conteúdo da obra: “O canto traz a força para nosso povo, principalmente para as mulheres. São 16 tipos de ritual dos Kuikuro, mais de 12 mil cantos, muitos que a gente ainda precisa escrever como escreveram com esse livro. Continuamos com essa força”.
O secretário adjunto de Cultura da Secel-MT, Jan Moura, também comentou sobre as muitas histórias que ainda precisam ser contadas pelas vozes dos povos originários. “Vamos continuar sendo parceiros para que mais publicações deem voz às histórias que não foram contadas dos povos que construíram o que a gente chama hoje de Brasil”.
Os Kuikuro vivem ao longo dos rios formadores orientais do Rio Xingu, na Terra Indígena do Xingu (TIX), localizada no estado do Mato Grosso, Amazônia Meridional. Juntamente com outros povos falantes de línguas da família karib que habitam o Alto Xingu — Kalapalo, Nahukwa, Matipu e Naruvoto —, os Kuikuro formam o sistema regional multilíngue conhecido como Alto Xingu. Os cantos tōlo, tradicionalmente executados por mulheres durante rituais, reúnem elementos de espiritualidade, coletividade e resistência.
Mais que um registro, o livro representa um gesto de preservação, reconhecimento e difusão das artes indígenas em um país que abriga mais de 260 povos originários. A publicação está disponível em sua versão física por meio da Livraria da Funarte, e pode ser adquirida presencialmente ou pelo e-mail livraria@funarte.gov.br. Em breve, também será disponibilizada em formato digital, com acesso público e gratuito, ampliando o alcance dos cantos e fortalecendo o compromisso da Funarte com a salvaguarda, proteção e difusão das manifestações artísticas do Brasil.
Serviço
Livro “Meu Amado me Disse: os cantos tōlo dos povos Karib do Alto Xingu”
Edições Funarte
livraria@funarte.gov.br
Organização e introdução: Bruna Franchetto
Tradução: Yamaluí Kuikuro Mehinaku
Detentores dos direitos coletivos: Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX)
Organização geral: André Vallias
Fonte: Ministério da Cultura