Terras Degradadas: O Novo Front da Soberania Verde Brasileira

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Diante da disputa geopolítica entre China e Estados Unidos, o Brasil precisa agir com urgência para conter o desmatamento e aproveitar de forma sustentável milhões de hectares já degradados nos seus principais biomas, garantindo produção, preservação e protagonismo internacional

Por José Américo Moreira da Silva

Foto: Freepik/Kamchatka

O desmatamento no Brasil já ultrapassou todos os limites toleráveis. Essa é uma constatação respaldada por dados científicos, por imagens de satélite e, sobretudo, pela percepção da sociedade brasileira e da comunidade internacional.

A Floresta Amazônica, o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica continuam sendo alvos de pressão por novos espaços para o avanço da agropecuária, mesmo diante da existência de milhões de hectares de terras já degradadas que poderiam – e deveriam – estar sendo reaproveitadas de forma racional e produtiva. No caso da Mata Atlântica, vale lembrar que a destruição começou ainda no século XVI, com a chegada dos colonizadores portugueses. A porção nordestina desse bioma — que se estende por estados como Bahia, Pernambuco, Alagoas e Paraíba — foi a primeira a ser sistematicamente devastada para dar lugar ao ciclo do açúcar e, posteriormente, à urbanização litorânea. Hoje, restam apenas fragmentos de uma das florestas tropicais mais biodiversas do planeta, cuja proteção é vital para o equilíbrio climático e hídrico de regiões inteiras. A Caatinga, por sua vez, ainda sofre com a invisibilidade política e institucional. É o único bioma exclusivamente brasileiro, ocupando cerca de 10% do território nacional, com grande incidência no semiárido nordestino. Mesmo com sua vegetação adaptada à seca, a degradação causada por queimadas, desmatamento e uso predatório do solo tem colocado em risco comunidades inteiras e os recursos naturais da região.

Chegou a hora de o Brasil abandonar o ciclo vicioso da destruição para abrir caminho ao ciclo virtuoso da recuperação produtiva. Para isso, é urgente que o governo federal, com o apoio dos estados e municípios, sente-se à mesa com o setor produtivo, especialmente com os representantes do agronegócio, e construa um plano nacional de reaproveitamento sustentável das terras degradadas. Não se trata apenas de uma pauta ambiental: trata-se de uma agenda de soberania econômica, diplomática e estratégica. Nesse cenário de nova ordem mundial, em que China e EUA disputam hegemonia e reconfiguram rotas comerciais, o Brasil se encontra numa posição singular. A China, pressionada a diversificar suas fontes de suprimento de alimentos e commodities, continuará comprando do Brasil – e, possivelmente, mais do que nunca. Os EUA, por sua vez, tendem a perder espaço. Esse movimento geopolítico oferece ao Brasil uma janela de oportunidade histórica, mas também impõe uma responsabilidade imensa: produzir mais, com menos impacto.

O caminho, portanto, não é abrir novas frentes de desmatamento. O caminho é recuperar o que já foi perdido, com tecnologia, com apoio técnico, com crédito orientado, com pesquisa agroambiental e com incentivo à regeneração ecológica integrada à produção. O Cerrado e a Caatinga, por exemplo, já sofreram transformações drásticas e ainda são tratados como biomas de segunda classe. A Mata Atlântica — tanto no Sul e Sudeste quanto no Nordeste — vive sob ameaça permanente, apesar de sua importância ecológica e histórica. E a Amazônia, por fim, precisa deixar de ser apenas um campo de disputa simbólica e se transformar em referência global de desenvolvimento sustentável. Precisamos virar essa chave agora.

Porque, na prática, o que está em jogo não é apenas o futuro do meio ambiente ou do agronegócio, mas a capacidade do país de se afirmar como potência verde no século XXI.

*José Américo Moreira da Silva é jornalista e documentarista