As pautas do povo e o teste de fogo do Congresso

Artigo Coluna Política

Não é uma pauta de partido A ou B, é uma pauta da maioria. É, portanto, uma pauta do povo

Por Zé Américo Silva*

O Congresso brasileiro começa a semana com uma decisão que separa quem legisla para o povo de quem legisla para os lobbies. No centro do tabuleiro está o projeto de lei 1.087/2025, que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5.000 e cria desconto gradual até R$ 7.350. Algo que beneficia milhões de brasileiros, mas que, paradoxalmente, enfrenta mais resistência política do que qualquer manobra para blindar parlamentares ou anistiar golpistas. Eis o retrato fiel de Brasília: quando o assunto é aliviar o bolso do trabalhador, o discurso da responsabilidade fiscal aparece; quando é autoproteção, sempre há um “jeitinho”.

Não há dúvida de que o projeto tem impacto fiscal relevante, algo em torno de R$ 25 bilhões. Mas sejamos francos: o Congresso já autorizou renúncias maiores para atender setores específicos sem o mesmo escrutínio. A diferença é que, dessa vez, o beneficiário não é um lobby organizado, mas uma parte significativa da sociedade. E aí, quando o contribuinte comum entra em cena, o debate se torna mais lento, mais cheio de ressalvas e mais vulnerável à protelação. É a lógica invertida da política brasileira: o que interessa a todos é sempre o que demora mais.

A tabela do Imposto de Renda está defasada há anos. Trabalhadores que mal conseguem pagar o supermercado viraram “classe média tributada” da noite para o dia, apenas porque os salários subiram nominalmente sem que a tabela acompanhasse a inflação. O PL 1.087 corrige essa distorção. Não resolve todos os problemas do sistema tributário, mas é um passo concreto — e concreto demais para ser ignorado. Não é uma pauta de partido A ou B, é uma pauta da maioria. É, portanto, uma pauta do povo.

O Congresso, no entanto, parece ter mais pressa em discutir pautas tóxicas, como a já derrotada “PEC da blindagem”, que buscava blindar parlamentares de investigações, ou a “PEC da dosimetria”, que tenta reembalar a velha anistia dos atos golpistas de 8 de janeiro. Para esses temas, nunca falta espaço na agenda. Já para votar o alívio tributário do trabalhador, a fila é longa, o relatório é complexo e o debate precisa ser “mais responsável”. É a velha política com sua régua dupla: generosa consigo mesma, rigorosa com o povo.

O teste é claro: se o Congresso votar esse PL com rapidez e seriedade, dará um recado forte de que ainda existe conexão entre Brasília e o Brasil real. Se empurrar com a barriga, confirmará a imagem de que o Parlamento só se move quando pressionado. Não se trata apenas de política tributária, mas de política em sua essência: governar em nome de quem? Dos ricos do andar de cima ou os assalariados do andar de baixo que pagam impostos todos os meses?

A semana é, portanto, um divisor de águas. O eleitor está cansado de discursos e atento aos resultados. E cada deputado e senador será cobrado não pelas justificativas técnicas que apresentar, mas pelo voto que der. Porque no fim de tudo, quem garante a cadeira de cada parlamentar não é o lobby das corporações, mas o eleitor que vota. Uma maioria silenciosa que, quando acorda, descobre que continua pagando caro para sustentar um sistema que insiste em chamá-la de “classe média” apenas para arrancar mais imposto.

É hora de mostrar se Brasília está disposta a legislar para o povo — ou se continuará cultivando sua vocação para legislar apenas para os os mesmos de sempre.

*Zé Américo Silva é jornalista