São Bernardo: a eleição que legitimou o crime

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O prefeito afastado já havia sido condenado por crimes na área da gestão pública e, mesmo assim, chegou ao cargo com a chancela de políticos influentes, verbas ilícitas e métodos de intimidação

Foto: ABCD

A Operação Estafeta, deflagrada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público, escancarou aquilo que já era evidente para quem acompanhou a última eleição municipal: a vitória de Marcelo Lima Fernandes (PODE) não foi resultado de um processo democrático saudável, mas de um esquema com raízes no crime organizado, em estruturas milicianas e em redes criminosas conhecidas e mapeadas pela Justiça. O prefeito afastado já havia sido condenado por crimes na área da gestão pública e, mesmo assim, chegou ao cargo com a chancela de políticos influentes, verbas ilícitas e métodos de intimidação.

Apoios de figurões da política

Marcelo Lima não chegou ao poder sozinho. Recebeu apoio no 2º turno do ex-prefeito de São Bernardo e atual Secretário Municipal de Segurança Urbana de São Paulo, Orlando Morando (ex-PSDB, atualmente sem partido) e de outras lideranças de peso. Essas figuras não apenas apareceram ao seu lado para fotos: participaram de eventos, declararam apoio público, mobilizaram estrutura política e ajudaram a legitimar um projeto que, hoje, a PF e o MP confirmam ter vínculos profundos com o submundo criminoso.

Durante a campanha, o candidato do Cidadania 23, Alex Manente, apresentou propostas consistentes e disputou os dois turnos com força e firmeza, denunciando de forma clara — e baseada em fatos e documentos — o perigo de entregar o comando de São Bernardo a um grupo com histórico de ilícitos. Seus alertas, no entanto, foram abafados por uma máquina eleitoral turbinada por recursos de origem duvidosa, pela presença ostensiva de milicianos e pela compra e coação de votos, sobretudo nas áreas mais vulneráveis da cidade.

Se as eleições tivessem sido fiscalizadas com rigor — nas periferias, nos dias que antecederam a votação e no próprio dia do pleito — seria possível flagrar a captação ilegal de sufrágio, a circulação de dinheiro vivo oriundo do crime organizado e a pressão, direta ou velada, sobre eleitores pobres. O voto livre foi sequestrado pelo medo e pelo assistencialismo forjado.

O perigo continua — e pode piorar

Com o afastamento de Marcelo Lima, a prefeitura está agora sob o comando da vice-prefeita Jéssica Cormick (Avante), sargento da Polícia Militar de São Paulo, com 38 anos e quase 20 de carreira na corporação. Apesar de ter formação militar e um MBA em Governança Pública, Jéssica nunca exerceu cargo público eletivo dirteo parlamentar, nem de gestão. Hoje, uma cidade com PIB bilionário, importância econômica e geopolítica nacional está nas mãos de uma gestora inexperiente — cenário que mantém o risco de retrocessos e até de agravamento da crise administrativa.

Democracia sequestrada

O caso de São Bernardo é um retrato duro do que acontece quando urnas, milícia e crime organizado se encontram. Uma das cidades mais ricas do Brasil, maior que muitas capitais, foi transformada em “caixa eletrônico” de quadrilhas políticas, com a bênção de figuras influentes do cenário estadual e nacional. Enquanto não se enfrentar, de forma firme e direta, essa simbiose entre política e crime, a democracia seguirá sequestrada e a população condenada a pagar a conta da corrupção.